Uma Criança de 40 Anos
40 anos a detestar sopa; 40 anos a querer curar o mundo; 40 anos a recusar-se a aceitar que as injustiças não tenham solução e a espalhar controvérsia por aqueles que conhece.
No dia 29 de Setembro de 1964 foi publicada a primeira tira da Mafalda de Quino num jornal argentino. E pensar que a Mafalda nasceu para ilustrar uma campanha publicitária a electrodomésticos... O próprio nome da personagem foi inspirado nessa marca: Mansfield. No entanto, questões relacionadas com viabilidade financeira levaram a que a empresa recusasse utilizar a Mafalda para a sua publicidade. Algum tempo mais tarde a revista Primera Plana procurava algo diferente na área do humor ao que Quino respondeu com algumas tiras da sua nova personagem. Tendo já percorrido doze anos na sua carreira de humorista foi só com a contestatária Mafalda que conseguiu alcançar o sucesso.
Não deixa de ser irónico no entanto que muitos dos que conhecem e cresceram com a Mafalda só tenham chegado à primeira leitura quando a personagem já havia deixado de ser desenhada. Na verdade a Mafalda conheceu uma década de intensa criação, tempo após o qual Quino considerou pelo melhor dedicar-se apenas a outras personagens, crente de que com um prolongamento temporal iria cair na repetição e na previsibilidade. Desde 1973 Quino só "ressuscitou" Mafalda pontualmente para apoiar campanhas de solidariedade e de saúde, recusando-se a aceitar adaptações ao cinema (não corremos por enquanto o risco de uma adaptação deplorável como a do Garfield) sendo que a única variação à BD existente são os desenhos animados.
Ainda na linha da ironia, o próprio Quino manifesta a sua admiração perante o interesse das crianças nos livros de Mafalda, quando considera sempre ter desenhado para um público adulto. Talvez, e agora na linha de opinião pessoal e transmissível, porque a inteligibilidade das tiras da Mafalda funcione a dois níveis, aquele da indução mais imediata de um significado óbvio e de tendência universal e outro nível de interpretação um pouco mais complexo, em que surgem referências políticas, sociais e económicas. Assim se pode também compreender porque é que quem cresce na companhia da Mafalda veja nos livros sempre um objecto de interesse renovável, por diferentes sentidos que se vão encontrando nas tiras, conforme a maturidade e o reconhecimento do que se vive (e viveu) no mundo.
A Mafalda tem tanto de criança como de adulto e desta forma leitores de todas as idades encontram a oportunidade de se identificarem nela para a expressão das suas próprias opiniões e visão do mundo. Identificação que se complementa nas diversas personagens-estereótipo que interagem no seu mundo, desde o capitalista Manelito ao preguiçoso e sonhador Filipe, com destaque para uma Susaninha egoísta e interesseira, num rol de personagens que se complementam num quadro geral de traços de personalidade. No entanto esta caracterização é limitativa dado que as personagens, embora estereotipadas revelam nas suas acções maior complexidade do que é possível depreender de um par de adjectivações.
Assim a Mafalda vive no presente através da rememoração de tiras que se referiam a uma realidade concreta, a da Argentina, perante a herança da Guerra Fria e a precariedade de um povo que começava então a absorver os primeiros esforços da máquina publicitária e produtiva. E não deixa de ser interessante como a visão geral perante esta obra a continua a classificar como actual no que toca a uma interpretação do mundo e das forças que o fazem girar (referimo-nos agora a forças metafóricas, claro, que se fazem no entanto sentir de forma bem concreta). A Mafalda reflecte a faceta idealista e indignada que todos transportamos (mais ou menos silenciada que esteja) não deixando de reflectir ainda uma certa ingenuidade face àqueles que pensam de forma distinta de si.
Questionado por um jornalista se a Mafalda actualmente comeria no McDonalds, Quino respondeu citando um provérbio árabe: "Cada um é filho de seu tempo, não do seu país. O país nunca sabe o que será feito dos seus filhos." Que seria então feito da Mafalda 40 anos depois da sua apresentação pública? A verdade é que a detestável sopa ainda não faz parte dos menús da conhecida cadeia americana de fast food...
No dia 29 de Setembro de 1964 foi publicada a primeira tira da Mafalda de Quino num jornal argentino. E pensar que a Mafalda nasceu para ilustrar uma campanha publicitária a electrodomésticos... O próprio nome da personagem foi inspirado nessa marca: Mansfield. No entanto, questões relacionadas com viabilidade financeira levaram a que a empresa recusasse utilizar a Mafalda para a sua publicidade. Algum tempo mais tarde a revista Primera Plana procurava algo diferente na área do humor ao que Quino respondeu com algumas tiras da sua nova personagem. Tendo já percorrido doze anos na sua carreira de humorista foi só com a contestatária Mafalda que conseguiu alcançar o sucesso.
Não deixa de ser irónico no entanto que muitos dos que conhecem e cresceram com a Mafalda só tenham chegado à primeira leitura quando a personagem já havia deixado de ser desenhada. Na verdade a Mafalda conheceu uma década de intensa criação, tempo após o qual Quino considerou pelo melhor dedicar-se apenas a outras personagens, crente de que com um prolongamento temporal iria cair na repetição e na previsibilidade. Desde 1973 Quino só "ressuscitou" Mafalda pontualmente para apoiar campanhas de solidariedade e de saúde, recusando-se a aceitar adaptações ao cinema (não corremos por enquanto o risco de uma adaptação deplorável como a do Garfield) sendo que a única variação à BD existente são os desenhos animados.
Ainda na linha da ironia, o próprio Quino manifesta a sua admiração perante o interesse das crianças nos livros de Mafalda, quando considera sempre ter desenhado para um público adulto. Talvez, e agora na linha de opinião pessoal e transmissível, porque a inteligibilidade das tiras da Mafalda funcione a dois níveis, aquele da indução mais imediata de um significado óbvio e de tendência universal e outro nível de interpretação um pouco mais complexo, em que surgem referências políticas, sociais e económicas. Assim se pode também compreender porque é que quem cresce na companhia da Mafalda veja nos livros sempre um objecto de interesse renovável, por diferentes sentidos que se vão encontrando nas tiras, conforme a maturidade e o reconhecimento do que se vive (e viveu) no mundo.
A Mafalda tem tanto de criança como de adulto e desta forma leitores de todas as idades encontram a oportunidade de se identificarem nela para a expressão das suas próprias opiniões e visão do mundo. Identificação que se complementa nas diversas personagens-estereótipo que interagem no seu mundo, desde o capitalista Manelito ao preguiçoso e sonhador Filipe, com destaque para uma Susaninha egoísta e interesseira, num rol de personagens que se complementam num quadro geral de traços de personalidade. No entanto esta caracterização é limitativa dado que as personagens, embora estereotipadas revelam nas suas acções maior complexidade do que é possível depreender de um par de adjectivações.
Assim a Mafalda vive no presente através da rememoração de tiras que se referiam a uma realidade concreta, a da Argentina, perante a herança da Guerra Fria e a precariedade de um povo que começava então a absorver os primeiros esforços da máquina publicitária e produtiva. E não deixa de ser interessante como a visão geral perante esta obra a continua a classificar como actual no que toca a uma interpretação do mundo e das forças que o fazem girar (referimo-nos agora a forças metafóricas, claro, que se fazem no entanto sentir de forma bem concreta). A Mafalda reflecte a faceta idealista e indignada que todos transportamos (mais ou menos silenciada que esteja) não deixando de reflectir ainda uma certa ingenuidade face àqueles que pensam de forma distinta de si.
Questionado por um jornalista se a Mafalda actualmente comeria no McDonalds, Quino respondeu citando um provérbio árabe: "Cada um é filho de seu tempo, não do seu país. O país nunca sabe o que será feito dos seus filhos." Que seria então feito da Mafalda 40 anos depois da sua apresentação pública? A verdade é que a detestável sopa ainda não faz parte dos menús da conhecida cadeia americana de fast food...
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