melomanias, etc.

quarta-feira, junho 09, 2004

O Matt faz hoje anos

E o que este jovem de 26 anos tem para nos dizer é que “this is the end of the world”. Parece trágico, mas é somente dramático. Em “Apocalypse Please” ele faz esta declaração, não porque já não há salvação possível, mas antes numa tentativa de provocar qualquer tipo de reacção – é o artista em busca do choque, do romper com a letargia em que estamos embebidos. Matt não é um principiante nestas coisas das artes dramáticas, do enfático e do teatral. Mas em Absolution esta sua faceta vira-se para a política quando antes se havia revelado na concepção do amor. Não que o amor tenha sido relegado para segundo plano, mas simplesmente surge outra temática em cena, numa altura estratégica no que toca a política mundial. Mesmo quem parecia ter uma certa obsessão por tratar as várias facetas trágicas do romântico sente urgir a necessidade de mais do que criticar, tentar criar uma reacção, dar início a um movimento de críticos. Noutro ponto da marcha para a absolvição surge: “change everything you are/ And everything you were/ Your number has been called”; e até que ponto está o jovem que parte para uma guerra (partindo para o domínio hipotético do que estes versos poderão significar) a deixar toda uma vida para trás, todo um conjunto de crenças e objectivos, em prol de uma causa em que não acredita – ou talvez até acredite na causa, mais até do que quem a promove, apenas não nessa forma de lá chegar?

Perante tudo isto, e sem um Deus a quem responsabilizar, é obviamente difícil encarar o mundo, quem nele vive e as lógicas (ou ilógicas) por que se rege. E Matt canta: “It scares the hell out of me/ And the end is all I can see” – que fim? A chave está em: “Look through a faithless eye/ Are you afraid to die”? Perante a perspectiva de um fim abrupto, de uma morte sem vida para lá do que quer que seja, tudo aquilo a que se assiste nesta Terra se apresenta ainda mais irracional. Não que ser ateu seja sinónimo de carecer de esperança ou até mesmo de fé (elas são direccionadas para a vida e para o ser humano, o que potencia a já de si pesada decepção). É apenas difícil em certos momentos não ter uma “verdade” que possa suavizar a dura realidade.

A reacção que se adivinha é a “Hysteria”, fazendo adivinhar que uma análise psicanalítica ao vocalista e letrista e... dos Muse daria certamente resultados deveras interessantes. It would be a juicy subject of psychological study. Pessoalmente (e pelo menos perante os fãs e os jornalistas) Matthew aparenta calma e uma certa racionalidade calculada, que entram em conflito com os jactos emocionais que jorram das suas letras. “Endlessly” é certamente a canção mais positiva de Absolution. À excepção de “Bliss” e “Unintended” parece que Matt nunca foi capaz de transmitir em nenhuma outra letra algo de tão positivo no amor (não esquecer que “Feeling Good” é um original da bela Nina Simone). E parece que é mesmo essa a “fórmula”. Inusitadamente ou não, há precisamente uma canção por álbum em que Matt consegue transmitir o amor que sente como algo de positivo, de belo in extremis, inevitável e irredutível, to which we can only surrender. “Endlessly” é isso; é o desejo de se querer desejar ainda mais, de não se imaginar outra condição que não a de entrega total. “Endlessly” is the time to the extent of which I’ll love you. E o único receio é o de esse amor não perdurar como se acredita no presente, porque o passado deixa sempre ensombrado o futuro. A “Hysteria” retorna e a personalidade inconstante aflora, numa busca constante e insaciável.

A incompatibilidade, com o amado, o amor e até consigo próprio, conduzem ao desespero, à alternância entre a entrega e a possessividade. O equilíbrio é nos Muse palavra de significado meramente aparente, ou antes formal, dado que a experiência denota outra coisa, a constância do desequilíbrio mental e emocional das personagens que aqui habitam. Neste universo, um misto de tensão e desejo de evasão, um conflito latente entre a estabilidade desejada e a inconstância vivida. Matthew Bellamy é um verdadeiro caso de “Passive Agressive” para utilizar uma linguagem molkiana, podendo mesmo ir mais longe, dado que embora os resultados sejam diversos, a patologia parece ter pontos comuns – quanto do efeito Placebo está contido na música dos Muse? Resposta para outras divagações...

Retornando à temática do primeiro parágrafo e adoptando uma lógica circular – que é de resto aquela que o próprio Matt acaba por, voluntária ou involuntariamente seguir, numa sucessão de emoções que tem algo de cíclica - será realmente de uma teoria da conspiração de que aqui se fala? Não serão as letras – e as músicas, obviamente – o simples reflexo dos receios que tantos temos por comuns, mais do que uma explicação, uma pergunta? A resposta, tê-la-á talvez Matthew Bellamy, e digo talvez porque talvez nem ele consiga fazer uma auto-análise com resultados tão claros que lhe permitam esboçar uma explicação. A explicação de como, porquê e para quê a “hysteria” e o dramatismo surgem de forma tão recorrente na sua arte. De papelinhos prateados, pétalas vermelhas e rostos distorcidos às palavras simples e directas, às outras palavras mais rebuscadas, das sonoridades clássicas, das notas melodiosas, ao rebentar das guitarras de som distorcido, tudo nesses matizes de diferentes (e tão diferentes que são!) gradações é Muse – e os Muse são o Chris, o Dominic e o Matthew, que por acaso hoje faz anos. Happy birthday in a dramatic way, is my passive-agressive wish to you.

Cátia Monteiro
’04.06.08