Na minha vida, as coisas com as quais me relaciono recebem nomes especiais. E que não se entenda 'especiais' como elogiosos ou particularmente carinhosos - isso é coisa para ursos. Alguns até poderão ser, mas trata-se com mais frequência daqueles que, sendo um mal necessário, suscitam em mim a necessidade de os tratar com algum humor (para quem não perceber, conferir a mais recente quote do Oscar Wilde, em Tragicomedy).
Assim, vivo no Fim do Mundo - simplesmente porque as minhas noites estão entregues aos subúrbios de Lisboa; já tive de aturar um Pré-Histórico - que não passava de um desktop desactualizado que me causava dores de cabeça com os seus bloqueios diários; e guardo, com a maior das religiosidades, a minha Estante dos Horrores.
A Estante dos Horrores já foi outra coisa. Já foi um ou dois CD colocados ao lado da aparelhagem. Cresceu e migrou para uma caixa de sapatos - o meu sentido de bricolage já era avançado para a altura. Tantas proteínas ingeriu com os seus novos hábitos de alimentação que acabou por forçar-me a comprar uma estante. Montei-a eu própria, saudosa das caixas de sapatos, e instalei os CD, deixando espaço de sobra para alguns DVD e um crescimento esperado; um pouco como se faz às crianças quando se lhes compra em pequenas uma cama com praticamente o dobro do seu comprimento.
A Estante dos Horrores não começou por ser a Estante dos Horrores. Começou por ser o meu tesouro mais precioso (expressão de índole pirosa para 'a primeira coisa que imaginamos salvar se a nossa casa sofrer um incêndio'; atenção, que eu disse 'coisa' e não 'pessoa'). Mas eventualmente fui crescendo e deixando de gostar das bandas que ouvia quando tinha dez anos. E doze. E quinze. Enfim, you get the point.
E agora é Estante dos Horrores porque me lembra as fases por que já passei, porque é a minha cronologia pessoal, e como tal, nela estão contidos os registos das minhas 'Guerras Mundiais' e dos meus armistícios. E não, não vou abandonar o seguro registo metafórico para enunciar os moradores da Estante. Esses, só podem conhecer ao vivo. Como na Casa dos Horrores que costumava ocupar a Feira Popular. Contar não produz metade do efeito.
Assim, se algum dia passarem pelo Fim do Mundo, give me a call. Para que vos possa fazer uma visita guiada pela minha colecção pessoal de Horrores. Hitchcock faria um novo filme.